quarta-feira, 13 de abril de 2016

A Interseção de Dois Instantes

       Abro os olhos e tudo que eu enxergo à minha frente é a escuridão absoluta dos meus pesadelos infantis. Não me preocupo, a priori, em saber onde estou e o que aconteceu. Pareço estar em algum lugar paralelo onde não consigo controlar minha própria consciência. Ela me faz vagar em minha memórias relevando à situação ao qual me encontro.

      Consigo ver-me distante, deitada na grama junto ao meu esposo, exibindo um sorriso doce e verdadeiro; distraída com o canto dos pássaros que pareciam estarem brindando nossa felicidade. Apesar da bela cena que eu vejo, não consigo sentir qualquer emoção, como se aquilo sequer houvesse acontecido. Sinto-me impassível e indiferente à tudo, impassível como a escuridão em que estou assimilada.

     Em questões de segundos minhas lembranças se esvoaçam e tento agarrar-me a elas por uma necessidade espiritual de entender e justificar à mim a minha decisão. Nesse breve instante de controle, eu recupero essas lembranças e deixo-me vagar por elas novamente.

      De repente, estou em uma casa vazia e oca, sentada sozinha em uma cadeira de balanço, exibindo na face um completo estado de desespero. Eu sei o que acontecera comigo: meu esposo havia sido convocado pelo exército havia dois meses para "servir à nação". Meu coração esperava-o com uma determinação inocente e leal quando, no meio da noite, recebi uma ligação anunciando o seu falecimento. Da voz de um soldado eu recebi a pior noticia que poderiam dar-me. Desacreditei do soldado no mesmo instante e cheguei, no ímpeto e de raiva e descrença, a insultá-lo. Infelizmente os dias me traíram e eu me convencia lentamente da veracidade da história contada pelo soldado. Passei longos meses nesse processo até me convencer definitivamente. Em uma certa tarde comum como as outras a ficha caiu; eu dei-me conta da cruel realidade. O ar logo me faltou, o coração apertou e tudo que eu consegui fazer para aliviar a angústia que me invadira foi gritar, mas quanto mais eu gritava mais a angústia se firmava em mim. Larguei-me na cadeira sem forças, as lágrimas brotavam e eu não resistia em deixá-las ir. Meu mundo desmoronou. No entanto, depois de assistir à tudo isso como mero espectador, sinto um ínfimo de felicidade. Toda dor vai se findar. O peso da culpa desaparece junto a essa sensação e eu sei que já me perdoei. A escuridão se esvai por um centésimo de segundo e retorno a minha consciência. A corda rompe meu pescoço e entrego-me, de bom grado, à morte.

L.N.







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