sexta-feira, 29 de abril de 2016

O Caso Número 125


06 de Março de 1905       

      Dizem que o sol nasce quadrado para quem reside em uma prisão. Mentira! Não há sol nenhum por aqui. Nessa cela onde hoje habita a mim e minha consciência, jaz o frio supremo. Não há resquício de qualquer calor, seja proveniente do sol ou do homem. Até o ar que me entra pelos pulmões é denso, gelado e ácido. Tudo aqui é mórbido e triste. 
       Os carcereiros que frequentam diariamente minha cela são minha única fonte de distração. E, pra vos ser franco, são minha única companhia, são a minha janela do mundo lá fora. Fazem-me, em vão, tentar recordar de minha vida há vinte anos (ou trinta, quarenta, ou seja lá quanto tempo for). Quando eu ainda era um homem livre e ainda lembrava meu nome; hoje, refiro-me a mim mesmo como “125” - o número que estampa as minhas vestes. E esses carcereiros já não me permitem almoçar com os outros detentos como deixavam há dias atrás. Pronunciam que sou ameaça para os demais e isso está me enlouquecendo. Mas devo merecer.
Para piorar, essa cela se comprime a cada dia que passa e a cada dia sinto mais o ar me faltar. Já ando tendo alucinações, vislumbres, desmaios e não consigo mais permanecer em pé por muito tempo. Ando a emagrecer consideravelmente, pois só me alimento por pura “obrigação”. 
Tudo isso por um crime que eu tive o azar de cometer e que também já não me recordo mais. Sei, no entanto, que pela minha punição, foi um ato cruel e diabólico. Que não mereço qualquer piedade. E não escrevi essa carta com esse intuito, longe de mim... Escrevi porque me falaram que eu tenho esposa e filho, que eu deveria fazer meu testamento antes que eu falecesse de peste bubônica – acrediteis. 
     Pois eis a resposta da única decisão que já me deram: Que vós deis tudo que eu possuo e tudo o que eu vier a possuir àqueles que se chamam de minha esposa e meu filho. Que deis a eles todos os sóis redondos, quadrados e triangulares; deis tudo aquilo que me foi retirado. Que deis todo o tesouro da terra e do céu, e que vós não os permitíreis que careçam de nada. 
Se um dia me casei foi porque, acredito, amei essa mulher e tive um filho como fruto desse amor. E mesmo que me tenham sido ausentes por todos esses anos, quero acreditar que foi por um motivo justo e que, se hoje me procuram à beira da morte, não seja somente pelos meus pertences.
Porém eu peço que não permitíreis que eles venham a me encontrar. Pois, se eles ainda me amam, será melhor terem as melhores lembranças de mim; e, se por ventura eles não me amarem, que não tenham o prazer de me verem apodrecer nessa maldita prisão chamada Hospital Psiquiátrico Auta de Souza.


Agosto/2013

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