quarta-feira, 18 de maio de 2016

Minha Razão

“Vá, assuma esse amor que te escolheu.
Rebaixa-te a um bem maior que ti.
Tenha a valentia amorosa de Romeu,
Seja forte com és e não vá desistir.”

Assumo esse amor, meu caro Deus,
Como missão de vida que escolhi.
Não sou alguém tão forte, mas sou eu
Alguém que sua palavra vai cumprir.

Sossega-te, desistir não é meu caminho.
Prefiro vinagre na boca à gostoso vinho,
Prefiro pedras sobre os pés à flor.

Embora amarga é minha essa vida.
Eu escolho viver assim, sofrida,
A viver sem ter no peito esse amor.

L.N.









Tarde Bela

A lua está mais bela do que fora antes,
O céu da noite vibra, está feliz.
As estrelas brilham como quem diz
“Sorria, que hoje é dia importante.”

O ar está mais puro, também condiz
Com esse ambiente estimulante.
Acompanho mostrando em meu semblante
Uma aura de menina imperatriz.

Tudo e todos parecem me mostrar
Que a vida é boa, linda e justa,
Que a dor que eu senti não vai voltar.

Tudo e todos gritam em alarde
Pra eu que tenha uma vida augusta
Pois eu já tive uma bela tarde.


L.N.




sexta-feira, 13 de maio de 2016

Grito Mudo

Não há palavras que expresse o que sinto,
Nem soneto que condense o meu grito.
Esse verso que faço nunca foi dito
Nasceu de mim, cresceu e foi extinto. 

Não há herói, qualquer que seja o mito,
Que sofreu um desgosto tão distinto.
A dor é tamanha, quase um instinto,
Nasceu de mim e ruma ao infinito.

Se escrevo é por força invisível.
Algo que vai além de mim, de tudo,
E me arrasta junto a essa dor terrível.

Ou talvez escrevo como quem chora
Para soltar ao mundo o grito mudo
Na tentativa vã de ele ir embora.


L.N.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Minha Inconstância

Muitas vezes andei com valentia
Outras tantas, não sufoquei meu pranto.
Muitas vezes foi honroso o meu canto
Outras tantas, faltou-me cortesia.

Nessa vida, fui diabo e fui santo.
Ganhei a vida enquanto me perdia.
Dei ao mundo o que tanto me invadia,
Fui bondoso ser com hostil encanto.

Sem motivo, sou constante mudança.
Não tentem entender minha inconstância
Pois faltará empenho necessário.

Sigo apenas, conforme o tempo passa,
Meu caminho insensato e sem graça,
Porém não rendo diante do Calvário.


L.N.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Vingança Santa

Venha provar da minha dor que grita
Saborear o sangue que escorre ao chão
Por meus olhos ver a força da ação
Provocada por ti, nobre visita.

Fecha a porta, entra, aperta minha mão.
Estou humilhada, triste, estou aflita,
Hesitante, assustada e contrita.
Baixo a cabeça, hoje sou tua diversão.

Mas aproveita que te trago a chance
De me ver destruída, ao teu alcance,
Como se fosse um animal da caça.

Embora prostrada, ainda resisto.
Irei me reerguer tal como fez Cristo
Só pra te humilhar diante dessa graça.



L.N.

O Caso Número 125


06 de Março de 1905       

      Dizem que o sol nasce quadrado para quem reside em uma prisão. Mentira! Não há sol nenhum por aqui. Nessa cela onde hoje habita a mim e minha consciência, jaz o frio supremo. Não há resquício de qualquer calor, seja proveniente do sol ou do homem. Até o ar que me entra pelos pulmões é denso, gelado e ácido. Tudo aqui é mórbido e triste. 
       Os carcereiros que frequentam diariamente minha cela são minha única fonte de distração. E, pra vos ser franco, são minha única companhia, são a minha janela do mundo lá fora. Fazem-me, em vão, tentar recordar de minha vida há vinte anos (ou trinta, quarenta, ou seja lá quanto tempo for). Quando eu ainda era um homem livre e ainda lembrava meu nome; hoje, refiro-me a mim mesmo como “125” - o número que estampa as minhas vestes. E esses carcereiros já não me permitem almoçar com os outros detentos como deixavam há dias atrás. Pronunciam que sou ameaça para os demais e isso está me enlouquecendo. Mas devo merecer.
Para piorar, essa cela se comprime a cada dia que passa e a cada dia sinto mais o ar me faltar. Já ando tendo alucinações, vislumbres, desmaios e não consigo mais permanecer em pé por muito tempo. Ando a emagrecer consideravelmente, pois só me alimento por pura “obrigação”. 
Tudo isso por um crime que eu tive o azar de cometer e que também já não me recordo mais. Sei, no entanto, que pela minha punição, foi um ato cruel e diabólico. Que não mereço qualquer piedade. E não escrevi essa carta com esse intuito, longe de mim... Escrevi porque me falaram que eu tenho esposa e filho, que eu deveria fazer meu testamento antes que eu falecesse de peste bubônica – acrediteis. 
     Pois eis a resposta da única decisão que já me deram: Que vós deis tudo que eu possuo e tudo o que eu vier a possuir àqueles que se chamam de minha esposa e meu filho. Que deis a eles todos os sóis redondos, quadrados e triangulares; deis tudo aquilo que me foi retirado. Que deis todo o tesouro da terra e do céu, e que vós não os permitíreis que careçam de nada. 
Se um dia me casei foi porque, acredito, amei essa mulher e tive um filho como fruto desse amor. E mesmo que me tenham sido ausentes por todos esses anos, quero acreditar que foi por um motivo justo e que, se hoje me procuram à beira da morte, não seja somente pelos meus pertences.
Porém eu peço que não permitíreis que eles venham a me encontrar. Pois, se eles ainda me amam, será melhor terem as melhores lembranças de mim; e, se por ventura eles não me amarem, que não tenham o prazer de me verem apodrecer nessa maldita prisão chamada Hospital Psiquiátrico Auta de Souza.


Agosto/2013

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Diálogo com a Lua

Senti fitar-me alguém do céu gigante
Durante a gigante dor que eu senti.
Será a Lua bela? – Pus-me a refletir.
Respondeu-me ela nesse exato instante.

Essa tristeza que pertence a ti,
Já vi diversas vezes nos amantes,
Mas diferente de tudo que vi antes,
É mais intensa da que eu já vivi.

Sorri da compaixão que lhe tocara.
Sorriu também, falou: Que coisa rara!
Um sorriso invadir tua triste face.

Falei a ela com os olhos cheios d’água:
- Não cabe no meu peito minha mágoa
E meu sorriso tenro é só disfarce.


L.N.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Deixai "ser" as minhas criancinhas

Garota tímida, de olhar sincero.
Com os pés no chão, cabeça na lua.
Virtuosa caminha ela pela rua
Como se fosse um heroi de Homero.

O mundo a julga de modo severo.
Vira-a pelo avesso, deixa-lhe nua,
Estuda os trejeitos, não atenua.
Lá não pode existir um ser hetéro.

Porém, tão estranha garota esta
Que sorri pro mundo que lhe detesta,
Não se altera diante dessa ação.

Só importa o que ela tanto acredita.
Nenhum caráter a ela restrita,
Nenhum ruído dissipa sua canção.


L.N.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

A Interseção de Dois Instantes

       Abro os olhos e tudo que eu enxergo à minha frente é a escuridão absoluta dos meus pesadelos infantis. Não me preocupo, a priori, em saber onde estou e o que aconteceu. Pareço estar em algum lugar paralelo onde não consigo controlar minha própria consciência. Ela me faz vagar em minha memórias relevando à situação ao qual me encontro.

      Consigo ver-me distante, deitada na grama junto ao meu esposo, exibindo um sorriso doce e verdadeiro; distraída com o canto dos pássaros que pareciam estarem brindando nossa felicidade. Apesar da bela cena que eu vejo, não consigo sentir qualquer emoção, como se aquilo sequer houvesse acontecido. Sinto-me impassível e indiferente à tudo, impassível como a escuridão em que estou assimilada.

     Em questões de segundos minhas lembranças se esvoaçam e tento agarrar-me a elas por uma necessidade espiritual de entender e justificar à mim a minha decisão. Nesse breve instante de controle, eu recupero essas lembranças e deixo-me vagar por elas novamente.

      De repente, estou em uma casa vazia e oca, sentada sozinha em uma cadeira de balanço, exibindo na face um completo estado de desespero. Eu sei o que acontecera comigo: meu esposo havia sido convocado pelo exército havia dois meses para "servir à nação". Meu coração esperava-o com uma determinação inocente e leal quando, no meio da noite, recebi uma ligação anunciando o seu falecimento. Da voz de um soldado eu recebi a pior noticia que poderiam dar-me. Desacreditei do soldado no mesmo instante e cheguei, no ímpeto e de raiva e descrença, a insultá-lo. Infelizmente os dias me traíram e eu me convencia lentamente da veracidade da história contada pelo soldado. Passei longos meses nesse processo até me convencer definitivamente. Em uma certa tarde comum como as outras a ficha caiu; eu dei-me conta da cruel realidade. O ar logo me faltou, o coração apertou e tudo que eu consegui fazer para aliviar a angústia que me invadira foi gritar, mas quanto mais eu gritava mais a angústia se firmava em mim. Larguei-me na cadeira sem forças, as lágrimas brotavam e eu não resistia em deixá-las ir. Meu mundo desmoronou. No entanto, depois de assistir à tudo isso como mero espectador, sinto um ínfimo de felicidade. Toda dor vai se findar. O peso da culpa desaparece junto a essa sensação e eu sei que já me perdoei. A escuridão se esvai por um centésimo de segundo e retorno a minha consciência. A corda rompe meu pescoço e entrego-me, de bom grado, à morte.

L.N.